Intelectuais por suas ideias são capazes de fugas e dissimulações. Raymond Aron nos oferece uma oportunidade de perceber como essa elite que nos momentos em que suas convicções são contrariadas tanto deveriam dar o exemplo com a mudança de ideia. Na demora destes, Aron age.

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Raymond Aron

O livro de Aron, O ópio dos intelectuais¹, livro a muitos anos na fila dos mais esperados para uma republicação retorna em bom momento. Aron não pode tolerar mais as atitudes da intelligentsia de sua época, conivente com os crimes em nome de um partido, e, duros com as falhas da democracia movidos por sua religião política.

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ARON, Raymond. O ópio dos intelectuais. Tradução Jorge Bastos. São Paulo: Três Estrelas, 2016. 350p.

Raymond Aron publicou esta obra no 1955 em um tempo que a Guerra Fria estava em alta, e o clima intelectual reproduzia essa efervescência.  O pensamento marxista-leninista era sinal de erudição em círculos restritos, círculos que Aron conheceu e frequentou.

Nos últimos anos tive a oportunidade de escrever diversos artigos visando não tanto aos comunistas, mas aos “comunizantes”, aqueles que, embora não fossem filiados ao partido, tinham afinidades com o universo soviético. Resolvi então reunir esses textos e tratei de escrever uma introdução. A compilação foi publicada com o título de Polémiques e a introdução se tornou este livro. (ARON, 2016, p. 9).

O contexto de época não afeta a mensagem dos ensaios: as falhas da política e pensamento de esquerda e a traição dos intelectuais para com seu mundo.

Aron menciona diretamente alguns de seus amigos intelectuais da época como Jean-Paul Charles Aymard SartreMaurice Merleau-Ponty. O intelectuais com quem Aron diálogo são autores de pensamentos sofisticados, mas isso não torna inacessível o teor de suas críticas, Aron tem alvos precisos em seus antigos companheiros do jornal Les Temps Modernes.

A impressão que por discutir filósofos fenomenologistas ainda envolvidos com política fosse um livro de público restrito, em nenhum sentido se mostra um problema, por outro lado, a leitura se torna mais prazerosa se houver alguma familiaridade com noções sociológicas.

O estilo ensaístico de Aron torna a leitura agradável mas não simplista, ele recorre a fatos históricos, as diferenças dos argumentos dos intelectuais e suas reações.

São 8 artigos reunidos em duas partes, segue a lista de todos para se informar:

Primeira Parte

O mito da esquerda, O mito da revolução, O mito do proletariado

Segunda Parte

Homens de igreja e homens de fé, O sentido da história, A ilusão da necessidade, Sobre o domínio da história

A obra apresenta uma linha condutora, na primeira parte Aron começa analisando os conceitos canônicos da esquerda e suas complicadas relações com a realidade e coerência. Com frequência Aron menciona os intelectuais “esquerdizantes” e sua falta de compromisso com a crítica que tanto fazem e as claras falhas de caráter. Aron segue em um estilo que poderíamos dizer suave no trato de conceitos sociológicos, não é uma obra analítica, mas não é desatencioso com rigor lógico e as consequências empíricas ao quais eles são ostensivos, mesmo que defensores neguem.

A segunda parte possui as críticas mais contundentes e seus dois últimos ensaios continuam preservando o mesmo estilo mas não perdem em força. Aron identifica o pensamento de esquerda com uma religião secular nociva, que corrompe as faculdades morais dos homens. Chama-a de religião da história que torna a vida dos homens meios para o fim maior, o comunismo.

A escrita que sinuosamente segue por fatos, escritos de intelectuais podem em suas primeiras páginas causar a impressão que Aron não tem um alvo certo, mas constrói seus argumentos como alguém que já sabe como possíveis respostas podem ser dadas e por isso ele prepara o ponto crucial da irresponsabilidade da intelligentsia.

O livro não é apenas indicado para críticos da esquerda, mas para imposturas que intelectuais tomam, a casta da intelligentsia. O livro retornou em bom momento, e ajuda a entender fenômenos atuais de ativismo intelectual.


¹ ARON, Raymond. O ópio dos intelectuais. Tradução Jorge Bastos. São Paulo: Três Estrelas, 2016. 350p.⤿