Esse pequeno livro do filósofo austríaco Karl Raimund Popper conhecido por seus trabalhos em filosofia da ciência também trouxe seu pensamento crítico para as ciências sociais.

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Karl Raimund Popper.

A filosofia de Popper é importante para qualquer pessoa que for discutir ciência, não apenas as naturais, como é grandemente discutida (e muito mal compreendida) como nas ciências sociais. Neste livro, A miséria do historicismo¹, de pequeno volume mas teses profundas somos apresentados ao problema da tão comum teoria do progresso e como ela pode se desdobrar em abuso de poder.

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POPPER, Karl Raimund. A miséria do historicismo. Tradução de Octany S. da Moura e Leônidas Hegenberg. São Paulo: Cultrix. 1980. 126p.

Neste pequeno livro Popper revisita suas teses² contra as leis históricas. Em sua bibliografia Popper revisitou esse problema diversas vezes, mas em textos, ou pequenos  ou com questões diferentes em conjunto.

Popper divide em dois tipos de filosofia das ciências sociais historicistas: Antinaturalistas e Naturalistas. Em diversas passagens e mesmo outras obras Popper com esses termos se refere com Antinaturalistas ao Marxismo, por seu caráter essencialista³, e com Naturalistas a filosofias sociais como Positivismo, Utilitarismo e Cientificismo.

O livro aborda um tipo de discussão muito ausente, ainda mais nos debates filosóficos, sociais e políticos brasileiro, que revelam uma carência: metodologia(s) das ciências sociais. O fato de metodologia ter um “s” opcional na leitura creio que não é grandemente conhecido o porque, mas há forte discussão se devem igualar os métodos das ciências (o que considero um erro absurdo) naturais com as sociais. Popper em determinados momentos do livro é um dualista quanto ao método e em outros propõe uma unidade na questão metodológica e, curiosamente sendo um nominalista metodológico e de posição filosófica naturalista.

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Karl Popper.

Não pretendo afirmar que inexistam diferenças entre os métodos das ciências teoréticas relativas à natureza e à sociedade; essas diferenças são claras e se manifestam até mesmo entre as diferentes Ciências Naturais, bem como as diferentes Ciências Sociais. (POPPER, 1980., p. 102).

No prefácio Popper já nos apresenta seu argumento

(1) O curso da história humana é fortemente influenciado pelo crescer do conhecimento humano. (A verdade dessa premissa tem de ser admitida até mesmo por aquele para quem as ideias, inclusive científicas, não passam de meros subprodutos de desenvolvimento materiais desta ou daquela espécie.)
(2)  Não é possível predizer, através de recurso a métodos racionais ou científicos, a expansão futura de nosso conhecimento científico. (Esta asserção pode ser logicamente demostrada por meio de considerações que são feitas adiante.)
(3)   Não é possível, consequentemente, prever o futuro curso da história humana.
(4)  Significa isso que devemos rejeitar a possibilidade de uma História teorética, isto é, de uma ciência social histórica em termos correspondentes aos de uma Física Teorética. Não pode haver uma teoria científica do desenvolvimento histórico a servir de base para a predição histórica.
(5)  O objetivo fundamental dos métodos historicistas (ver seções 11 a 16 deste livro) está, portanto, mal colocado; e o historicismo aniquila-se. (POPPER, 1980, p. 2-3, grifos do autor).

O filósofo já no prefácio quer deixar claro a incoerência e impossibilidade do projeto progressista: prever o futuro com algum tipo de filosofia da história.

Filosofia Antinaturalistas historicistas

A primeira abordagem são as doutrinas antinaturalistas e o autor vale-se de alguma notas definitórias e questões que os defensores dessa visão se valem. Entre algumas podemos mencionar:

Generalização: as doutrinas antinaturalistas impõe a dificuldade de estabelecer leis gerais, além de trivialidade “o homem não vive sem comer;

Novidade: as mudanças trazem um fenômeno inédito, pois a memória da sociedade não permite que o mesmo fenômeno se repita, cada repetição é aparente pois o novo fato se dá em perspectiva da memória do anterior;

Complexidade: o homem tem vida política, psicológica, biológica, química e física. A Sociologia pega apenas subprodutos de causas indeterminadas que não permitem isolação;

Objetividade e valoração a interferência psicológica e causas exógenas impedem ter objetividade;

Holismo o todo da sociedade é mais do que as partes, a história mostra que há mudanças no tempo, mostra que uma sociedade muda em sua totalidade não em aspectos particulares;

Compreensão intuitiva essas mudanças trazem um novo significado, que não é deduzível das condições anteriores;

Métodos quantitativos não são aplicáveis;

Essencialismo versus nominalismo uma discussão que Popper retornou em outras obras mas aqui ele oferece posições claras sobre o assunto. O holismo tem sua origem no platonismo e aristotelismo, e o nominalismo descreve;

[…]O termo universal ‘branco’, por exemplo, não passa, para essa corrente, de um rótulo aplicado a um conjunto de coisas muito diversas — floco de neve, toalhas de mesas, cisnes. Tal é doutrinada corrente nominalista[…].  (POPPER, 1980, p. 24).

e

[…]Os essencialistas negam que o procedimento seja o de reunirmos um grupo de coisas singulares para, em seguida, apor-lhe um rótulo — branco —; ao contrário, chamam uma coisa branca de ‘branca’ porque essa coisas partilha, com outras coisas branca, de uma propriedade intrínseca, a ‘brancura’. Essa propriedade, denotada pelo termo universal, é vista como objeto que merece investigação[…]. (POPPER, 1980, loc. cit.).

Filosofia Naturalistas historicistas

Apesar de Popper ser adepto do nominalismo metodológico e o aprovar o nominalismo este apenas não é impeditivo para o historicismo. Aqui seguem algumas notas que o autor faz sobre essa filosofia historicista naturalista:

Comparação com a ciências naturais: a sociologia deve fazer previsões como as ciências naturais;

Base observacional: a história oferece a base empírica;

Dinâmica social: deve buscar as causas dos fatos sociais;

Leis históricas: com as causas podemos fazer previsões;

Planejar versus interpretar: com isso em vista podemos planejar nossas mudanças;

Apesar de quase antagônicos em relação às ciências naturais os historicismos Antinaturalista e Naturalista sofrem dos mesmo problemas. Popper dedica as duas partes finais para refutá-los.

Críticas ao Antinaturalismo historicista

Na críticas as doutrinas antinaturalistas Popper também compartilha da necessidade de resolvermos problemas práticos com as ciências. E aqui ele faz uma apresentação da Tecnologia da ação gradual. Popper foi amigo de Frederich August von Hayek e desenvolveu grande contato com o individualismo metodológico.

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Popper e Hayek na Monte Pelerin Society.

No contraste com o método holista, o engenheiro social (político, economista, secretário de segurança, etc.) não conta com uma compreensão da totalidade da sociedade, todos os fatos em questão, são apenas alguns dos fatos, não  a TOTALIDADE DOS FATOS. O holista emprega sua engenharia com base nessa errônea compreensão. De fundo o engenheiro utópico se valerá de uma progressão histórica necessária e que não é uma questão de escolha, pois suas leis são apoiadas na história.

Popper aprofunda em dois significados para a palavra “todos” que constituem relevância para a ciência social que revelam um exagero reducionista.

Na recente literatura holista, há uma ambiguidade fundamental no emprego da palavra ‘todo’. É usada para denotar (a) a totalidade das propriedades ou dos aspectos de uma coisa e, especialmente, a totalidade das relações que unem suas partes constitutivas; e (b) especiais aspectos ou propriedades da coisas em tela, a saber, aqueles que  fazem apresentar-se como estrutura organizada e não como ‘simples amontoados’. (POPPER, 1980, p. 60-61).

O significado (a) não tem a menor serventia para a ciência; pois não é sequer possível fazer uma descrição completa nesse sentido, se não tem como fazer, por que utopista historicista a defendem e a empregam em argumentos? Mas essa filosofia historicista estende esse conceito a história e define a História como a história de “todos” (a) por que é a história de toda a humanidade, cada indivíduo. Mas o empreendimento científico não é estudo de particulares.

As experiências (políticas) holísticas sempre tem intenção de cobrir todos os aspectos da vida. As relações sociais públicas possuem contiguidade com a vida privada, que também será alvo dessas experiências (políticas). Popper diz:

A dificuldade de combinar o planejamento holístico e os métodos científicos é ainda mais profunda do que até agora indicado. O planejador holístico esquece o fato de ser fácil centralizar o poder, mas impossível centralizar todo aquele conhecimento que está distribuído pro muitos intelectos individuais e cuja centralização seria necessária para a sábia manipulação do poder centralizado. Esse fato apresenta consequência de largo alcance. Incapaz de avaliar o que se encontra nos intelectos de tantos indivíduos, o planejador holístico tentará simplificar os problemas, eliminando diferenças individuais. (POPPER, 1980, p. 70-71).

Isso é supressão da crítica pública (aqui), motivada por um futurismo ético vindo das teorias do progresso histórico. Um bem que seja um bem para “todos” (a) é o maior bem e por ele vale tudo.

Ao totalizar os aspectos da sociedade não há parâmetro para para medir o que dá certo ou que dá errado, posto que não haverão causas exógenas ao experimento. Tudo deve convir para o resultado pretendido.

Críticas ao naturalismo historicista

Na segunda parte há a crítica a filosofia Naturalista Historicista que se sustenta na visão que a sociedade muda e há uma lei que prescreve essa mudança, como um tipo de evolucionismo. Nesse sentido há a analogia entre sociedade e organismos, e estas podem nascer, morrer, ou, sobreviver aos ciclos . Esta última asserção, de ciclos, dá uma aproximação intuitiva com a Física também. Mas um sistema estável na Física pode ser o nosso sistema Solar, mas é estável em seu contínuo movimento, não de congelamento, e uma sociedade estável não parece apresentar essa peculiaridade pois os sentidos da palavra “movimento” na Física e na Sociologia nem possuem comparação, é somente uma expressão que oferece uma compreensão intuitiva, como tantas outras, i.e., força, dinâmica, etc.

Apesar de Popper ser conhecido por suas críticas ao marxismo, nesta parte é a apresentado seu argumento mais contundente contra o historicismo.

Na história é perceptível padrões, descrições de fatos distintos que apresentam aproximação, uma tendência é enquadrada. Mas Popper argumenta que tendência não é lei.

É importante frisar que leis e tendências são coisas radicalmente diversas. Não há dúvida de que o hábito de confundir leis e tendências, associado à observação intuitiva de tendências (como, digamos, a do progresso tecnológico), inspirou as doutrinas nucleares do evolucionismo e do historicismo — as doutrinas que sustentam o caráter inexorável das leis biológicas da evolução e o caráter irreversível das leis de movimento social.  As mesmas confusões e intuições inspiraram Comte, quando formulou a doutrina das leis de sucessão — uma doutrina que ainda hoje é muito influente. (POPPER, 1980, p. 90).

Fenômenos periódicos, como as estações do ano, não constituem leis, pois não é o número que estabelece o status de lei.

A relevância de fatos implica em recorte, não é tudo ao mesmo tempo acontecendo que fornece explicação, logo os fatos em questão possuem uma explicação causal. Isso é uma orientação nas ciências naturais, e também, nas ciências sociais. Toda explicação teorética deve distinguir suas leis gerais e suas condições iniciais, conforme Popper, e o historicista naturalista confunde o termo causa em sua teoria, uma causa, na descrição particular é ao mesmo tempo parte do enunciado das leis universais.

Popper dá como exemplo uma situação onde nosso sistema Solar começasse a colapsar no Sol. Não haveria uma lei de colapso, mas este colapso seria deduzível das leis de gravitação das e orbitas celeste, estas sim universais. A tendência de aproximação até o colapso não é uma lei, mas um fenômeno deduzível de leis mais profundas.

Se as condições iniciais são fundamentais para a concretude do fato, e as condições iniciais são contingentes, a tendência não é inevitável! Mas Popper revela um pensamento

Isso, contudo, é exatamente o que o historicista está impedido de fazer. Ele acredita firmemente em sua tendência favorita e não pode sequer pensar em condições sob as quais essa tendência deixaria de existir. A miséria do historicismo, seria cabível dizer, e uma pobreza de imaginação. O historicista critica repetidamente os que se mostram incapazes de conceber uma transformação nos pequenos mundos que vivem; todavia, parece que o próprio historicista padece de uma deficiência de imaginação, pois se mostra incapaz de conceber uma transformação nas condições de transformação. (POPPER, 1980, 101).

Popper diz que nossas questões práticas impõe limites e parâmetros para nossas pesquisas e teorias, mas todo objeto de investigação, seja explicação ou prognose, devemos partir não de observações de casos, pois tenderemos a só considerar os casos favoráveis e boquear objeções. Devemos testar nossas hipóteses com o mesmo rigor que a concebemos e a crítica mutua é um elemento, pois pode contribuir com o que nos escapa. Nossos testes utilizam modelos, fatos selecionado para termos questões e buscar respostas, e nessa condição devemos esperar situações que restrinjam nossas teorias quanto a sua verdade,  mas sempre em um nível mais fundamental e geral.

Outra contribuição de Popper para a discussão é que nossas teorias sociais não precisam ser leis psicológicas, pois mesmo na química fenômenos são explicados e prescritos sem dependência de elementos das teorias atômicas elementares.

Para Popper toda pesquisa histórica parte de uma teoria sociológica, pois ao falar de Estado Romano, há no próprio vocabulário implicações de teorias sociológicas.

Ele também reconhece o mérito das filosofias historicistas, porque são uma reação a narrativas do tipo homérica, centrada em indivíduos.

A recusa de conter o ser humano em psicologismo é uma das somas para ter um elemento não determinado, que contribui evitarmos atitudes tirânicas, pois o homem deve ser o incontrolável que contribui para a seleção e crítica das teorias sociais.

Não será, portanto, possível controlar o fator humano por meio da ciência — o oposto do capricho? Sem dúvida, a Biologia e a Psicologia podem, ou poderão dentro em puco, resolver o ‘problema da transformação do homem’. Todavia, os que tentarem assim proceder destruirão a objetividade da ciência, e com isso, a própria ciência, pois que a ciência e sua objetividade depende de uma admitida competição de ideias, isto é, liberdade. (POPPER, 1980, p. 124).

O filósofo conclui dizendo que o historicismo apesar de ter ganho um tônus no sec. XIX é um movimento bem antigo, de concepções primitivas teleológicas. Estariam ainda no problema da transformação, período helenístico, e isso explica seu fervor religioso. Um livro para quem quer não apenas conhecer refutações as teorias do progresso, mas conhecer as discussões metodológicas.


¹ POPPER, Karl Raimund. A miséria do historicismo. Tradução de Octany S. da Mota e Leônidas Hegenberg. São Paulo: Cultrix. 1980. 126p. Link para downloading aqui. ⤿

² POPPER, Karl Raimund. A sociedade aberta e os seus inimigos: Hegel e Marx. Tradução de Miguel Freitas da Costa: 70. Lisboa 2013. ⤿

______. A sociedade aberta e os seus inimigos: O sortilégio de Platão. Tradução de Miguel Farias da Costa: 70. Lisboa 2015.

³ LEVIN, Michael. “How Philosophical Errors Impede Freedom”.  Journal of Libertarian Studies, EUA v. 14, No. 1, 125–134. 1999.  Disponível em aqui. Acessado em 16 out 2016. Link para downloading aqui. ⤿

⁴ Por teorética o filósofo quer dizer é que uma teoria é ostensiva a um fenômeno empírico. ⤿

⁵ Um excelente artigo de Célia Lessa Kerstenetzky é indicado para uma aproximação da frutífera colaboração entre os dois pensadores, Ignorância e Intervenção em Hayek e Popper. Disponível aqui. Acessado em 16 out 2016. Conferir também aqui. Acessado em 16 out 2016. ⤿

⁶ Uma entrada Stanford University para referência. Disponível aqui. Acessado em 16 out 2016. ⤿