No texto anterior (aqui) conhecemos que:

  • teorias e hipóteses são relacionadas com outras teorias, em diferentes graus
  • as descobertas podem exigir reformulações das teorias, mas argumentos ad hocs são rejeitados
  • as teorias e hipóteses devem ter significação empírica, devem falar sobre o mundo, como ele é
  • as teorias podem se relacionar com outras teorias mais fundamentais e leis

Hempel¹ continuará agora tratando propriamente da estrutura das teorias, como devem ser, que tipos de termos e elementos devem possuir para serem explicações propriamente científicas. Também quando teremos condições ou não de generalizações. E uma expressão mais técnica começa a ser trabalhada, são as explicações dedutiva-nomológicas.

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5. As leis e seu papel na explicação científica

Duas exigências Básicas para as Explicações Científicas (p. 65)

As ciências naturais tentam explicar o mundo. Hempel diz que a ciência é mais do que descoberta de fatos, mas uma concepção explicativa.

O homem nesse esforço atribuiu poderes ao mundo deuses e outras coisas assim. Mas não servem para a ciência. Por isto Hempel diz que as explicações científicas satisfazem dois requisitos:

  • requisito da relevância
  • requisito da verificabilidade

Hempel relembra o caso de Francesco Sizzi contra Galileu e suas luas de Júpiter. Sizzi encontrou relações numéricas no rosto, com base no número sete, e negou as luas de Júpiter. Isso é totalmente irrelevante para negar a existência das luas. Isto é o que Hempel chama de requisito da relevância explanatória: a informação deve fornecer fundamentos para explicar o fenômeno.

Isso se traduz em condições necessárias. Com isso a possibilidade do requisito da verificabilidade é possível. Os requisitos não são independentes.

A Explicação Dedutivo-Nomológica (p. 68)

Hempel enumera certas características que uma uma explicação científica deve ter:

O fenômeno a ser explicado deve ser descrito

O fenômeno deve decorrer dedutivamente dos enunciados explanatórios.

Estes podem ser de caráter de lei geral com implicações empíricas, e, fatos particulares.

Essa explicação ajusta o fenômeno a ser explicado em contexto de uniformidades dada às leis nas situações particulares.

Hempel estabelece dois termos para no fixarmos, primeiro que o fenômeno a ser explicado será referido como fenômeno explanandum e a sentença que o descreve será sentença explanandum. As sentenças que formulam a informação serão as sentenças explanans.

Colocando em termos mais claros:

  • fenômeno explanandum: o que vai ser explicado como por exemplo as órbitas dos planetas
  • sentença explanans: para o explanans ter sucesso o explanandum deve decorrer logicamente das frases do explanans, e claramente estas devem ser verdadeiras e conterem uma lei universal, aqui são os enunciados teóricos. Para prevermos a posição da órbita da Terra na próxima hora usaremos cálculos e sentenças (frases descritivas verdadeiras) fundadas nas leis universais do movimento.

Neste ponto fica claro porque são explicações dedutivo-nomológicas:

  • os enunciados componentes levam dedutivamente a conclusão (a posição da Terra) através de uma lei universal (o elemento nômico, do grego Νόμος, de convenção, ou no sentido aqui apresentado, de lei)

As leis são componentes essenciais e prescrevem o que será relevante para o fato em questão, estabelecendo o que recebe o nome de condições iniciais. Estas são “o que deve estar presente na explicação em um tempo Tx para no tempo Tx+ possamos confirmar o que é previsto”. Importante dizer que as teorias não precisam ser somente preditivas, podemos fazer a retropredição de eventos passados – por suas consequências presentes – um exemplo que vemos encontramos em filmes que trabalham casos de estudos balísticos em fatos passados. Então as explicações devem ser concebidas como argumentos dedutivos e na conclusão a sentença explanandum. As premissas encerram leis e descrevem fatos.

As explicações dedutivo-nomológicas satisfazem o requisito da relevância explanatória no grau mais forte. A informação explanatória implica na sentença explanandum de forma dedutiva.

Explicações matemáticas são assim.

Algumas explicações obedecem esse critério mas de forma elíptica. Podemos falar que a lama não congelou porque estava salpicada (E porque C). Esta explicação não menciona lei alguma, mas pressupõe uma: que o sal altera o ponto de congelamento.

Leis gerais sempre estão pressupostas. Uma explicação nem sempre exige uma nova lei. Na descoberta do planeta Netuno um fenômeno novo foi explicado com leis já estabelecidas.

Leis Universais e Generalizações Acidentais (p. 73)

As leis são indispensáveis para a dedução-nomológica. Ainda mais quando explicam não fatos particulares mas regularidades. As leis adquirem a forma de enunciados universais.

As leis científicas são em sua grande maioria enunciados seentão, mas Hempel deixa claro que há leis que não são assim.

As leis científicas são em sua maioria do tipo quantitativas, relações matemáticas entre quantidades.

Mas nem todo enunciado na forma se→então é uma lei universal. Pode relatar apenas um caso, como “todos os corpos de ouro tem massa menor que 100000000000 Kg”. Nem precisa ser o caso de esperar uma contradição. Porém, sua verdade ainda é incidental, pois não há lei que exclua essa possibilidade.

Hempel diz que a discussão sobre ser ou não suficiente para uma ler ter a forma se→então é intrincada.

Ele diz que Nelson Goodman fez uma colaboração; que uma lei sustenta condicional contrafactual e também sustenta condicional subjuntivo, isto é, “se A vier a acontecer, também acontecerá B”, deixando em aberto se A acontece ou não.

E uma generalização acidental não sustenta uma explicação.

Um cenário pode ser formulado a partir de leis gerais e terá caráter de lei porque é concebido de leis gerais, mesmo que não seja verificável.

Por isso não conseguimos formular lei para o caso dos corpos de ouro. Mesmo uma generalização verdadeira não se converte em lei.

Uma lei sustenta condicionais subjuntivos e contrafactuais sobre casos potenciais. A lei de Newton sustenta o enunciado subjuntivo que sugere a condição de lei “em qualquer corpo celeste que pudesse existir com o tamanho da Terra, mas o dobro de massa…”. Sobre a generalização com as rochas essa paráfrase não é possível.

E sobre o exemplo com ouro não há nas leis físicas e químicas que impedem uma fusão de dois corpos com a medida máxima. Então, mesmo uma generalização verdadeira não implica em lei. O que Hempel quer deixar claro é que se houver um princípio que impeça que um corpo de ouro possa ter mais que 100000000000 Kg então, devido está restrição, e por esta restrição, podemos falar em lei universal. Mesmo que procuremos o Universo inteiro, e supondo que o consigamos, e não encontrarmos um corpo de ouro que tenha mais do que 100000000000 Kg, mesmo com esta procura cósmica conseguindo confirmação não haverá uma lei universal, pois como dito, não haveria nada que impedisse um corpo de ouro com massa maior do que 100000000000 Kg.

As Leis dependem das teorias da época e não é qualquer generalização que vira lei. Um enunciado empírico, quer esteja ou não verificado será classificado com lei se for implicado em uma teoria, porém isso não é suficiente, pois ainda que seja confirmado se excluir certas condições (como a fusão dos blocos de ouro) que uma teoria considera verdadeira.

As Explicações Probabilísticas: Seus Fundamentos (p. 78)

Nem toda explicação científica precisa ser formulada em lei. Uma pessoa que contrai sarampo, por exemplo, tem sua infecção explicada pelo contato. Isso não sustenta uma lei, nem todo mundo contrai sarampo com contato. Seria no caso uma lei probabilística.

O explanans não implica no explanandum.

É alta a probabilidade para pessoas expostas ao sarampo de contraírem a doença
Paulinho ficou exposto ao sarampo [faz altamente provável]
Paulinho apanhou sarampo

São Explicações Probabilísticas.

Probabilidades Estatísticas e Leis Probabilísticas (p. 79)

Esse tipo de explicação merece mais a atenção de Hempel, ela invoca um gênero de ligação entre explanans e explanandum para conseguir fornecer a conclusão.

Suponha uma experiência fortuita com esferas coloridas em uma caixa. Havendo mil esferas U, 600 são brancas. A probabilidade de retirar uma esfera branca é B=0,6.

Com uma moeda danificada em uma das faces teremos a probabilidade de 0,5 de ter como resultado o lado defeituoso.

Mas essa representação é defeituosa, pois as esferas brancas podem se concentrar todas na parte inferior alteraria o quociente. Para não alterar o quociente a concepção clássica da probabilidade pede que os eventos sejam equipossíveis.

Hempel pergunta “como definir a equipossibilidade?”. Isso ele vai pular por ser uma discussão muito longa e sem qualquer conclusão satisfatória. Mas para haver uma interpretação satisfatória Hempel apresenta o conceito de frequência relativa, isto é, a proporção de casos de um evento em um universo de eventos.

Com um cenário de eventos homogêneo, sem elementos viciados o pesquisador busca a frequência relativa (R) dos eventos. As discussões em torno de frequência também são acirradas, mas Hempel resume algumas considerações, a taxa de frequência (F) apresenta em concorrência com o número de tentativas a tendência de aumentar para um dos lados, porém é indicado um defeito, pois se p(R,F) = f indica que em uma sequência longa o suficiente um lado da moeda será sempre o obtido com o arremesso o que levou a distinguir entre probabilidade lógica ou indutiva e probabilidade estatística. A probabilidade lógica é a relação entre enunciados.

c(H,K) = f

A hipótese H é provável com grau f pela evidência formulada no enunciado K. A probabilidade estatísticas é uma relação quantitativa entre espécies reproduzíveis de eventos: o resultado R é um processo fortuito de F, e o resultado R tende a ocorrer em uma longa série de F.

Os dois tipos de probabilidades têm em comum a matemática, mas a lógica das verificações apresentam problemas. A hipótese H não implica dedutivamente em alguma frequência e uma hipótese também não se confirma verdadeira se uma uma frequência é encontrada. Implica que uma parte da hipótese é verdadeira.

H não impede que a frequência seja contrária, mas que logicamente é improvável um resultado diferente.

Também admite-se que os resultados das tentativas não se influenciam, são independentes. Se uma frequência for muito diferente dos resultados obtidos, a frequência é falsa. Assim, a concordância entre os resultados obtidos e a frequência podem levar a aceitação da hipótese. Algumas normas são necessárias: como o desvio e a aproximação. Essas normas podem variar em rigidez. Pense em assumir um teste de vacina como deve ser considerado.

Poderia ser afirmado que todas as leis científicas são probabilísticas, pois toda evidência surge de um conjunto. Mas Hempel lembra que a distinção entre leis probabilística e universal não é o suporte nas evidências, mas a forma dos enunciados. Uma lei universal afirma que todos os casos serão como o prescrito e uma lei probabilística assevera que em um número de casos sob certas condições uma proporção no resultados será obtido.

O Caráter Indutivo da Explicação Probabilística (p. 89)

Hempel sugere um exemplo:

p (R,F) é próximo de I
I é um caso de F (altamente provável)
I é um caso de R

A alta probabilidade que o explanans confere ao explanandum, não é uma probabilidade estatísticas, pois caracteriza relação entre sentenças, não entre eventos. Como se apoia na credibilidade do explanans e sua inferência é indutiva, é uma probabilidade indutiva.

Hempel diz que existe um modo natural de exprimir numericamente esta probabilidade. Se for estabelecido o valor p (R,F) num argumento do tipo que já consideramos, então a explicação do explanans terá esse mesmo valor no explanandum, ficará assim

p (R,F) é I
I é um caso de F
I é um caso de R

Se ficar mais complexo surgem problemas. Mas sendo possível ou não atribuir probabilidades exatas apenas se confere suporte indutivo a probabilidade. Hempel conclui que a diferença entre explicações dedutivo-nomológicas e probabilidades e que as primeiras efetuam subsunção dedutiva sob leis de forma universal e que as últimas  efetuam subsunção na forma de lei indutivas.

O explanans não exclui a não-ocorrência. Mas as probabilidades tem desempenhado grande papel, mesmo sendo menos rigoroso.


¹ HEMPEL, Carl Gustav. Filosofia da ciência natural. Tradução de Plínio Sussekind Rocha. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. 142p. (Curso moderno de filosofia).