Terminando a série vamos rever alguns tópicos do último texto (aqui):

  • uma classe de sentenças e termos são coextensivos de operações verificáveis
  • os conceitos operacionais e portadores de significação empírica são passíveis de receberem novas interpretações conforme a aplicação
  • uma sentença estipulativa pode se desdobrar em mais de uma sentença interpretativa e estas com os princípios de transposição para terem significação empírica

Neste último texto somos apresentados a novas implicações da constituições da teorias e alguns de seus reflexos filosóficos.

Links para os outros textos:

Parte I (aqui II (aqui), III (aqui), IV (aqui) e V(aqui).

8. redução teórica

A Controvérsia Mecanicismo vs. Vitalismo (p. 129)

O neovitalismo que já foi estudado diz que não é possível explicar certas características sem apelar a certos conceitos externos as leis físicas. E esses conceitos não fornecem explicação alguma. Essa é uma discussão muito longa e Hempel não pretende reproduzir aqui, mas qualquer discussão só é possível com uma exposição das significações opostas. Esta é uma discussão filosófica.

Os organismos seriam apenas sistemas físico-químicos? Hempel apresenta duas teses dessa concepção:

(M¹) todas as características dos organismos são características físico- químicas

(M²) todos os comportamentos dos organismo podem ser explicados mediante leis e teorias físico-químicas

No caso da primeira (M¹) é claro que há termos próprios da biologia, por exemplo “mitose”, que ocorre nas células que se dividem. Mas todos os processos e entidades biológicas podem ser caracterizados em termos físico-químicos. Se todas as características podem ser explicadas em termos físico-químico e podemos chamar essa tese de (M1’) pois é mais específica, logo os princípios da Biologia são derivados da Física e da Química. No caso é uma versão de (M²) que podemos chamar de (M²’).

(M¹’) e (M²’) é o que chamamos de redutibilidade da Biologia à Física e a Química. Isso nega a autonomia da Biologia. O neovitalismo defende essa autonomia, mas Hempel vai expor mais as teses mecanicistas.

Redução dos Termos (p. 131)

A tese M¹’ não defende a possibilidade de atribuir significado físico-químico aos termos biológicos por definições estipulativas arbitrárias, os termos biológicos tem significado próprio, mas que possam ser adequadamente expressos com auxílios da Física e a Química. Defende a possibilidade de uma definição descritiva em termos da Física e da Química conforme vimos no texto anterior. Não seriam descrições analíticas, pois seria falso pretender que para todos os termos biológicos existe uma expressão físico-química. Mas o definiens não precisa ter o mesmo significado que o definiendum, mas somente a mesma extensão. Como exemplo o termo “homem” e “bípede implume”, o termo homem não tem o mesmo significado que bípede implume, mas tudo o que é homem é um bípede implume.

——X—— tem a mesma extensão que —–Y——

Este tipo de definição é que um mecanicista pode recorrer. Isso ocorre com a penicilina, ou testosterona, com suas descrições físico-químicas pode-se definir os termos biológicos nestes termos. Mas essas definições não expressam os significados biológicos. Penicilina indica a substância produzida por uma bactéria, Penicillium notatum, Essa caracterização não é pela análise do significado, a descoberta é química, não lógica e não filosófica.

Redução das Leis (p. 133)

Agora a tese M²’ que afirma que as leis biológicas são deriváveis da Física e da Química. Leis físico-químicas não conseguem logicamente produzir enunciados biológicos, pois a biologia possui termos próprios. Premissas adicionais precisam ser formuladas. Uso semelhante aos princípios de transposição que contenham termos biológicos e físico-químicos e tenham caráter de lei. Um tipo de enunciado assim é o que estabelece como condição necessária e suficiente a presença de características físico-químicas para as características biológicas, ou somente como condição necessária as características físico-químicas. Do primeiro tipo Hempel dá como exemplo “vertebrados exigem oxigênio”, “gás do tipo X interrompe a oxigenação”. Tais definições requerem pesquisa empírica, portanto, não pode ser decidido por argumento a priori. M¹’ não pode ser refutada por considerações anteriores a pesquisa empírica.

Hempel demonstra a formalização desse tipo de enunciado: seja P¹ e P² expressões físico-químicas e B¹ e B² expressam termos biológicos. Enunciamos “Todos os casos de P¹ são casos de P²” que chamaremos por LP e encontramos leis de conexão “Todos os casos de B¹ são casos de P¹” e “Todos os casos B² são casos de P²”. Na primeira temos que é necessário para a ocorrência de B¹ haver P¹, e na segunda é condição suficiente para B² ocorrer P². Então, vemos como uma lei biológica pode ser deduzida de uma lei físico-química.

Depende do número de leis de conexões. E isso não é estabelecido por argumentos a priori, mas por pesquisa biológica e física.

Reformulação do Mecanicismo (p. 134)

No tempo que Hempel escreveu ele julgava haver insuficiente enunciados de conexões. Mas alguns podem dizer que no futuro a biologia seria reduzida à física e a química. Isso requer cautela. Os termos usados são facilmente reconhecidos como sendo de uma área ou de outra, mas e no futuro? Se os termos pedem essa distinção, em uma espécie nova de termos, não faz sentido mais falar em redução.

No momento é melhor manter o mecanicismo como um princípio heurístico, do que uma teoria unificante.

Redução da Psicologia; o Behaviorismo (p. 135)

A redução também foi proposta à psicologia. Uma concepção reducionista mantém que todos os fenômenos psicológicos são de natureza biológica ou físico-químico.

Já há alguns princípios de conexão: manter alguém sem alimento é condição necessária ou suficiente para sentir fome.

Há uma classe de indicadores observáveis de eventos psicológicos que é o comportamento público. Na medica que os estímulos e comportamentos observáveis podem ser descritos em termos biológicos, estes podem ser reduzidos a termos físico-químicos. Podemos dizer que significações parciais são oferecidas entre as áreas. Embora, definições operacionais não determinam condições necessárias e suficientes para os termos psicológicos: situação semelhante entre os termos biológicos e os físico-químicos.

O behaviorismo é uma escola influente que tenta reduzir discursos sobre fenômenos psicológicos à discursos de comportamento. Um princípio behaviorístico é que termos psicológicos devem ter aplicação, formulados como comportamento e ter implicações observáveis publicamente. Esta escola rejeita a introspecção e fenômenos psicológicos privados.

Uma versão do behaviorismo exerceu influência na discussão filosófica dos conceitos psicológicos. Estes termos se referiam aos aspectos do comporta-se em uma situação. Dizer que uma pessoa é inteligente é dizer que nas mesmas circunstâncias a pessoa se comporta de modo igual. Mas isso não é dizer que uma pessoa que fala russo não é dizer que está constantemente pronunciando expressões russas, mas que é capaz de um comportamento específico. Dessa forma o problema mente-corpo perde importância. Hempel faz uma ilustração: de um cronômetro que marcha muito bem diz-se que tem uma precisão muito alta; atribuir alta precisão a ele é equivalente a dizer que marcha muito bem. Não faz sentido, portanto, perguntar de que modo esse agente não-substancial, a precisão, atua sobre o mecanismo do relógio; nem onde acontece a precisão quando o relógio para. Nesta versão do behaviorismo não faz sentido perguntar como eventos mentais modificam o comportamento de um organismo.

Nesta concepção é evidente o teor reducionismo. Entretanto, seus argumentos não suportam que todos os conceitos psicológicos sejam realmente definíveis em termos não-psicológicos por duas razões. Primeiro; nem todas as espécies de situação em que uma pessoa agiria de forma inteligente fiquem incluídas numa definição clara e explícita. Segundo, nem todas as maneiras pelas quais a inteligência se manifesta não podem ser adequadamente em termos puramente behaviorístico, que contivesse apenas termos de física, química e de biologia: parece que são necessários alguns termos psicológicos para caracterizar certas estruturas de comportamento e algumas já indicam o que se presume. Não se qualifica alguém de inteligente somente devido a situação que o rodeia mas depende de como essa pessoa acredita sobre a situação que se encontra. Um homem que anda sem perceber um leão faminto não está agindo de forma corajosa. Isto não refuta a possibilidade de redução mas que não ficou estabelecido pelo tipo de análise que apreciamos.

Questões sobre o reducionismo também alcançam as ciências sociais, particularmente a escola do individualismo metodológico. Mas esses problemas vão além do projeto deste livro e foram mencionados para ilustrar as afinidades lógicas que existem entre as ciências naturais e as ciências sociais.


Aqui é concluído um projeto piloto que pretende não fornecer discussões de argumentos apenas, mas apresentar como argumentos, ideias e atitudes são constituídos desde seu início. Um conjunto de textos que partem de obras ou autores consagrados que suas ideias ou temas possuem extensas ramificações.

Também que temas podem ser recorrentes e oferecer uma exposição parcial em um estudo apresenta limitações, com isto um texto onde uma premissa ou tese é melhor apresentada fica localizada em um texto. Quem já tiver familiaridade com o assunto pode ignorar o link e aquele que precisa desta breve e muito curta exposição pode consultar.

Não é o intento que estes textos sejam substitutos dos livros fontes.

O projeto pode encontrar muitas necessidades de adequação pois o intento não é dos mais simples: não é possível discutir certos problemas ou teses sem uma panorama de conceitos. O tema das temas teorias científicas foi escolhido como inicial por seu grande interesse e há mais duas séries como esta em vista que dependem do que é apresentado aqui.

Sugestão de melhorias serão bem-vindas!


HEMPEL, Carl Gustav. Filosofia da ciência natural. Tradução de Plínio Sussekind Rocha. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. 142p. (Curso moderno de filosofia).